O verdadeiro calendário maia é frequentemente confundido com o chamado Sincronário da Paz, popular nos meios espirituais por seus “Kins do dia” e pela estrutura de 13 meses de 28 dias. No entanto, o que muitos não sabem é que esse sistema, embora amplamente difundido no movimento new age, não tem nenhuma ligação real com a tradição ancestral maia.
Neste artigo, compartilho aprendizados de uma imersão na Guatemala, onde mergulhei na cultura viva dos povos maias e descobri as distorções por trás do Sincronário da Paz — um caso emblemático de apropriação cultural que apaga e reinterpreta indevidamente uma sabedoria milenar.
A Farsa do Sincronário da Paz

O ano era 1989 quando José Argüelles, um artista e místico estadunidense de origem mexicana, lançou sua teoria da Lei do Tempo e apresentou ao mundo o que ele chamou de Calendário das 13 Luas. A proposta era de um novo sistema de contagem do tempo, baseado na matemática maia, supostamente mais alinhado com os ritmos naturais do planeta, em contraste com o calendário gregoriano.
A ideia ganhou popularidade rapidamente, especialmente em ambientes esotéricos, mas havia um grande problema: o calendário de Argüelles não tem nenhuma conexão com a civilização maia.
Como o Sincronário da Paz se Distancia do Verdadeiro Calendário Maia

Enquanto o verdadeiro calendário maia era extremamente complexo e incluía diversos sistemas, como o Tzolk’in (260 dias) e o Haab’ (365 dias), o Sincronário da Paz propõe uma estrutura de 13 meses de 28 dias, com um “dia fora do tempo”. O problema maior, porém, é que o “dia fora do tempo” na verdade remonta a uma data trágica da história colonial: o momento em que os espanhóis proibiram o uso dos calendários maias em Yucatán. Ou seja, a data simboliza uma opressão histórica, e não um símbolo de paz, como o Sincronário sugere.
Outro ponto crítico é que os “kins” do Sincronário, com seus nomes como “Guerreiro Galáctico Branco” ou “Mão Cristal Azul”, não têm nada a ver com a tradição. Esses símbolos foram criados por Argüelles, e o próprio conceito de “kin”, na cultura maia, tem uma função completamente diferente.
O Sincronário ainda tenta adaptar o conceito de anos bissextos, algo que está presente no calendário gregoriano, mas não tem relação com os calendários maias, que se baseavam em ciclos astronômicos mais complexos.
Apropriação Cultural do Calendário Maia
Este é um exemplo claro de apropriação cultural. Um sistema ancestral foi adaptado e distorcido para fins comerciais e espirituais, sem respeito pela profundidade do saber original. José Argüelles chegou a procurar o aval de lideranças maias. Mas seu calendário foi recusado.
O problema não foi criar algo novo. Foi tentar impor esse sistema como substituto do calendário tradicional.
Argüelles ainda levou sua proposta ao Vaticano: Queria substituir o calendário gregoriano por sua invenção. Isso mostra a ambição de criar um novo tempo — sem base cultural, histórica ou espiritual real nos saberes maias.
O Verdadeiro Calendário Maia

O verdadeiro calendário maia é muito mais complexo e profundo do que o Sincronário da Paz jamais poderia imaginar. Para os maias, o tempo não é linear, mas cíclico. Eles criaram vários calendários, cada um com uma função específica, como o agrícola, cerimonial, social e espiritual.
O mais conhecido desses calendários é o Tzolk’in (ou Cholq’ij), que tem um ciclo de 260 dias, divididos em dois ciclos paralelos: um de 20 dias-signo (associados a forças da natureza, elementos e animais) e outro de 13 números sagrados. Juntos, esses ciclos determinam o “dia energético” de uma pessoa, com significados e qualidades associadas, algo semelhante a um mapa astral, mas com uma forte conexão com os elementos naturais e os ciclos da terra.
A palavra “kin” realmente existe na cultura maia, mas tem um significado totalmente diferente daquele promovido por Argüelles.
A Falácia do Fim do Mundo de 2012
Outro ponto que gerou confusão foi a ideia de que os maias previram o fim do mundo em 2012. Na verdade, essa data marcava apenas o fim de um ciclo do Baktun — uma unidade de tempo usada pelos maias. Não era o apocalipse. Era renovação. Um ciclo terminava para dar início a outro, como acontece no fim de um ano.
Na Guatemala, o povo maia celebrou a data com rituais de gratidão e renovação. Já no Ocidente, surgiram teorias sensacionalistas. O marketing apocalíptico distorceu o significado original e ainda misturou tudo com as ideias do Sincronário da Paz.
Resgatando o Respeito e Compreensão das Tradições Ancestrais

Minha viagem à Guatemala foi um grande aprendizado. Não apenas sobre o calendário maia, mas também sobre como tradições ancestrais são muitas vezes apropriadas e distorcidas. Aprender com os próprios guardiões dessa sabedoria me fez ver a importância de respeitar os conhecimentos originais. É essencial não filtrá-los por lentes externas que tentam reinventá-los para um consumo moderno e superficial.
Se você se interessa por astrologia, culturas antigas e saberes ancestrais, siga sua jornada com respeito. Ouça com atenção as vozes de quem mantém essas tradições vivas até hoje.
Para aprender mais sobre o tema:
- Durante nossa imersão pela Guatemala, gravamos um documentário sobre os povos Maias que ainda povoam a região do Lago Atitlán
- Para aprender sobre o verdadeiro calendário Maia, conheça o trabalho de divulgação do Tzolkin BR.