A astrologia, ao longo dos séculos, foi utilizada de diversas maneiras – seja para autoconhecimento, orientação ou até mesmo como ferramenta de poder e controle. No entanto, poucos percebem que a astrologia possui um enorme potencial subversivo, especialmente quando analisada sob uma perspectiva decolonial.
Inspirado no livro Postcolonial Astrology, de Alice Sparkly Kat, este artigo explora como a astrologia foi moldada pelo capitalismo e pelo colonialismo e como ela pode ser ressignificada para resistir e questionar as estruturas de poder.
Astrologia e Poder: Uma Relação Complexa
A astrologia nunca existiu isoladamente. Sempre esteve profundamente conectada às dinâmicas sociais e políticas, influenciando e sendo influenciada pelas estruturas de poder. Em muitos momentos da história, a astrologia em termos tradicionais foi usada para reforçar essas estruturas, especialmente em sistemas coloniais e capitalistas.
No entanto, quando abordada de forma crítica e consciente, ela pode ser um poderoso instrumento de resistência, ajudando a identificar as forças que moldam nossas vidas e oferecendo alternativas ao status quo.
Astrologia, Gênero e Poder: Quebrando Paradigmas
Um dos aspectos mais instigantes da astrologia decolonial é sua relação com gênero e poder. Muitas interpretações astrológicas tradicionais associam o masculino e o feminino a determinados planetas e signos, reforçando uma visão binária de gênero que não corresponde à diversidade existente. É importante deixar claro que feminino e masculino não significam mulher e homem.
Por exemplo, Marte frequentemente é vinculado ao masculino e Vênus ao feminino, perpetuando estereótipos de agressividade versus suavidade. No entanto, ao reinterpretarmos esses arquétipos, podemos desafiar normas sociais limitantes e abrir espaço para uma astrologia mais inclusiva e alinhada com a pluralidade de identidades e expressões de gênero.
Planetas e Capitalismo: Uma Análise Crítica

Os planetas na astrologia são tradicionalmente interpretados a partir de arquétipos mitológicos greco-romanos que, muitas vezes, refletem e sustentam estruturas de poder capitalistas. Ao analisarmos esses significados sob uma ótica crítica, percebemos como a astrologia pode ser usada para reforçar ou contestar a lógica do sistema econômico vigente.
Saturno e o Mito do Esforço
Saturno, conhecido como o planeta das responsabilidades e do trabalho árduo, é frequentemente associado à disciplina e à necessidade de superação. Essa visão se alinha com a ideologia capitalista que prega que o sucesso é resultado exclusivo do esforço individual. No entanto, essa interpretação desconsidera as desigualdades estruturais que impactam o acesso a oportunidades.
A partir de uma abordagem decolonial, Saturno pode ser reinterpretado não como um símbolo de opressão, mas como um convite para questionarmos o tempo imposto pelo capitalismo e explorarmos ritmos de vida mais alinhados às nossas necessidades e valores coletivos.
Vênus e a Mercantilização da Beleza
Vênus, associado ao desejo, ao prazer e à estética, também tem sido usado para sustentar narrativas capitalistas. No mundo contemporâneo, vemos a mercantilização da beleza e do amor, onde padrões estéticos são impostos e a autoestima se torna um produto a ser consumido.
Uma perspectiva crítica nos permite ressignificar Vênus para além da ótica do consumismo, enfatizando sua conexão com o afeto genuíno, a arte como expressão libertadora e a valorização da diversidade estética.
Lua e a Invisibilidade do Trabalho de Cuidado
A Lua, que rege o cuidado e as emoções, simboliza um dos aspectos mais desvalorizados pelo capitalismo: o trabalho emocional e doméstico, tradicionalmente associado às mulheres e a grupos marginalizados. Esse tipo de trabalho é essencial para o funcionamento da sociedade, mas é frequentemente invisibilizado e não remunerado.
A astrologia pode nos ajudar a reconhecer o valor desse trabalho e a questionar o sistema que o desconsidera, promovendo novas formas de valorização e equilíbrio das responsabilidades sociais.
Astrologia e Colonialismo: Rompendo com a Hierarquização dos Saberes
A astrologia ocidental, em sua forma tradicional, tem raízes eurocêntricas e frequentemente marginalizou outras tradições astrológicas. Práticas astrológicas indígenas, africanas e asiáticas foram sistematicamente desvalorizadas ou apagadas pela narrativa dominante.
Uma astrologia decolonial busca resgatar e valorizar essas tradições, promovendo um conhecimento mais inclusivo e representativo das diversas formas de entender o cosmos. Esse processo passa pela desconstrução da ideia de que a astrologia ocidental é a única válida, abrindo espaço para diálogos entre diferentes perspectivas astrológicas ao redor do mundo.
Astrologia Coletiva: Retorno ao Uso Comunitário

Historicamente, a astrologia era utilizada coletivamente para interpretar os ciclos naturais e orientar comunidades inteiras. No entanto, com o avanço do individualismo e do mercado, a astrologia foi sendo cada vez mais associada ao desenvolvimento pessoal e desvinculada de seu potencial de transformação social.
Uma abordagem subversiva da astrologia propõe resgatar seu papel comunitário, utilizando-a como ferramenta de consciência coletiva e resistência às opressões sistêmicas.
Conclusão: A Astrologia Como Ferramenta de Transformação
A astrologia tem um imenso potencial para questionar e desafiar as estruturas de poder que nos oprimem. Ao adotarmos uma perspectiva decolonial, podemos reinterpretar seus símbolos e arquétipos para refletir realidades mais justas e inclusivas.
Em vez de perpetuar as lógicas do capitalismo e do colonialismo, a astrologia pode ser um caminho para a resistência, para a compreensão mais profunda das dinâmicas de poder e para a construção de um futuro mais alinhado com a sabedoria do céu.
Que possamos olhar para os astros não como forças que ditam destinos imutáveis, mas como aliados na luta por um mundo mais livre e consciente.